Há diversos caminhos para a poesia. No fundo, cada poeta inventa/descobre seu próprio caminho. E não há melhor forma de fazê-lo do que observando atentamente os caminhos percorridos pelos poetas que amamos. No meu caso, uma das grandes paixões, desde o primeiro momento em que comecei a escrever poemas, sempre foi o caminho do haikai. Cada um daqueles pequenos poemas da tradição japonesa concentra tantas questões, da língua à cultura, da história à poética, da filosofia ao modo de vida, de forma tão simples e misteriosa (um grande mistério diante dos meus olhos adolescentes que, mesmo transformado, se mantém vivíssimo), que sempre tive a impressão de, naquelas poucas palavras, estar lendo poetas que tinham descoberto o que há de mais essencial e mais preciso a ser dito.
Por isso, é com uma alegria muito grande que anuncio hoje Mínima linha infinita, dentro da plataforma Escrita Criativa do meu amigo Tiago Novaes, em que vou dividir com vocês, que também gostam de haikai e querem escrever poesia, a lição que eu tento aprender lendo Bashô e seus parceiros de caminhada pelas trilhas maravilhosas do haikai. E esse título, claro, é homenagem ao Paulo Leminski, que me colocou para andar por aí.
De cara, diga-se: não se trata de imitar o haikai, escrever poemas de três versos, reduzir o haikai a uma forma poética no sentido superficial. O que pretendo fazer, nessas conversas, é mostrar o que há de particular — e espetacular — nessa parte tão admirável da história da poesia e olhar para o mundo à nossa volta com as ferramentas oferecidas e afiadas pelo haikai.
Todo o processo para preparar essa formação tem sido muito bonito, das primeiras conversas com Tiago aos dias de imersão na livraria Aigo, esse cantinho mágico no centro comercial do Bom Retiro (SP), conversando sobre os temas inspirados e atravessados pelo haikai, que serão multiplicados nos encontros virtuais ao vivo, em que estudaremos e experimentaremos a escrita de poesia a partir de tudo que a leitura do haikai suscita.
Sim, para levar a turma a buscar seu próprio caminho, nessa oficina teremos atividades práticas de criação que vão além do texto, porque não se trata de fazer “exercícios de escrita”. Faremos “experimentos de vida-escrita”, para escrever a partir de pequenas alterações no nosso modo de passar os dias: visitar um bairro desconhecido, voltar a um bairro da infância, descer no ponto “errado” do ônibus, conversar e ouvir a conversa de estranhos, enfim, observar e sentir tudo aquilo que evitamos normalmente. Abrir-se para que o mundo à volta converse conosco – e aí sim escrever. Vamos? Aqui!
MÍNIMA LINHA INFINITA o caminho do haikai para a poesia
» Não siga os antigos. Procure o que eles procuraram. (Matsuo Bashô)
Repare: o poeta sai à rua como todas as outras pessoas. Normalmente, ele precisa apenas ir de um ponto a outro de seu bairro, de sua cidade, e tem as mesmas preocupações dos demais transeuntes, que são bastante práticas: não tropeçar, não ser atropelado ou assaltado, chegar e voltar rapidamente, cumprir a missão. Mas todo caminho é bem mais que a distância entre um e outro lugar: andar, no campo ou na cidade, na rua mais tranquila ou na avenida mais caótica, é atravessar uma infinidade de acontecimentos ao nosso redor, às vezes grandiosos (acidentes, monumentos, estardalhaços), às vezes discretos e quase imperceptíveis (conversas alheias, sorrisos perdidos, afagos, insetos).
Em geral, somos adestrados para impedir que esses acontecimentos nos distraiam e atrasem a chegada ao destino. O poeta, entretanto, é quase um profissional da distração, porque percebe que distrair-se é a melhor forma de reaver e afiar sua atenção plena para tudo de que a vida é feita, bem além das coisas grandes e insistentemente úteis. O poeta freia no meio do caminho, desce do ônibus no ponto errado, inventa o atalho ao avesso: escolhe a rota mais longa e incerta. A atenção que ele quer não é inimiga da distração; pelo contrário, ela começa na distração e dela se alimenta.
Em seu caminho, o poeta rebela-se contra essa atenção que é comandada de fora, diante da qual só interessam os “objetivos”, e que nos faz passar pela vida como um tiro: ferozes, velozes, letais. Quando o destino aponta no horizonte, ele prefere embaralhar as letras e ficar com o sentido, percebendo os caminhos que se abrem dentro de nosso corpo e de nossa mente enquanto nos abrimos a tudo que acontece à nossa volta. Suas palavras, claro, são feitas dessa matéria: a mais atenciosa desatenção.
É preciso deixar-se levar por aí para responder à pergunta que (des)orienta nosso curso: o que um poeta brasileiro do século 21 tem a aprender com poetas japoneses que viveram e escreveram há tanto tempo, como Bashô (1644-1694) e seus discípulos? Se for preciso apertar as possíveis respostas num punhado de palavras, podemos dizer que as principais lições do haikai para os poetas, de qualquer tempo ou língua, têm a ver com a percepção de que a poesia está ligada a uma mudança profunda do jeito como passamos pela vida e sentimos o mundo, bem como à busca de uma forma mais precisa, mas também mais corajosa e generosa de entregar palavras aos leitores. Por isso, entrar no universo do haikai faz com que tudo se desloque – e isso é ótimo!
No dia 6 de maio, às 19h, teremos um primeiro encontro para começar essa conversa. Estarei com o Tiago Novaes passeando pelo universo do haikai, apresentando a proposta, tirando dúvidas. Inscreva-se clicando aqui.
que especial. não vou poder estar junto, mas vou recomendar
Fecharam as inscrições!?