Tudo bem aí? Ando sumido daqui, colocando o ano para andar (ainda vou achar o melhor encaixe para essa newsletter na nova e intensa rotina). Janeiro voou, fevereiro já vai voando pro Carnaval… e há quem diga que o ano só começa mesmo na próxima quinta… Seja como for, vamos que vamos!
Faz 30 anos que li, extasiado ao final da primeira de mil leituras que já fiz do pequeno Matsuó Bashô — a lágrima do peixe (Brasiliense, 1983), do Paulo Leminski, a seguinte indicação de leitura complementar: “Nem sei como agradecer a existência de uma obra como o Haiku, de R. H. Blyth, quatro volumes, em inglês, trazendo traduções literais, comentários e originais japoneses e chineses: há mais de vinte anos, Haiku é meu livro de cabeceira”.
Imagina só o sofrimento do jovem leitor tarado diante dessa indicação superlativa, vinda do seu poeta predileto, que coloca no centro da vida um livro inacessível. É tentação demais. E, desde então, vi infinitas referências aos livros de Reginald Horace Blyth (1898-1964), um inglês que estudou na Universidade de Londres e depois viveu na Índia (período incerto), Coréia (1925-1935) e Japão (1936-1964). A tarefa era ensinar a língua inglesa por aquelas bandas, mas Blyth, em meio a perseguições, prisões (por ser inglês no Japão em guerra) e até um bombardeio que destruiu sua biblioteca, mergulhou profundamente na cultura japonesa e, com seus livros, se tornou um dos principais professores de zen-budismo e haikai para o Ocidente.
Ainda quero ler uma boa biografia de Blyth (nem sei se existe), porque me parece que é uma dessas vidas incríveis no centro dos acontecimentos: preso por objeção de consciência na Primeira Guerra; perseguido no Japão durante a Segunda Guerra; um filho adotivo morto por ser considerado traidor pelos coreanos do Norte; a convivência com outra figura decisiva para a difusão do zen no Ocidente, Daisetsu Teitaro Suzuki (1870-1966); a atuação para costurar a paz entre japoneses e norte-americanos no pós-guerra; e o trabalho como tutor privado do então príncipe (depois imperador) Akihito. São informações quebradas que colhi por aí, mas formam uma figura interessantíssima desse inglês que mergulha no Oriente e sai espalhando haikais e koans pelo mundo!
Mas o triste fato é que, de lá pra cá, nunca havia trombado com Haiku, lançado originalmente pela Hokuseido Press, de Tóquio, entre 1949-1952 (já contei para vocês que, lá nos anos 1990, eu rodava as pequenas livrarias japonesas do Bairro da Liberdade procurando um livro? então, era o Blyth… e fico me perguntando como o jovem Leminski conseguia essas coisas na Curitiba dos anos 1960!). Era um livro-lenda na minha vida. Já achei umas cópias parciais na internet, vi exemplares à venda em sebos dos EUA na internet e leilões por centenas de dólares, mas nada de colocar as mãos nesses quatro volumes. Já andava até meio conformado com esse amor platônico, com essa leitura indireta do Blyth, até que, dias atrás, descobri que uma nova edição estava circulando por preços bem mais razoáveis. E…
Os quatro volumes de Haiku levam agora o selo de uma editora de Nova Iorque, a Angelico Press, e, pelo que vi, são praticamente fac-símile das edições originais. No mesmo pacote, descobri que também há nova edição de A history of Haiku, pela Green Point Books (que tudo indica ser a mesma editora…). O que posso dizer por enquanto, nesses primeiros dias com Blyth morando aqui, é que ele É TUDO AQUILO MESMO que Leminski e tantos outros disseram. Página após página, com muitos exemplos, erudição e paixão, Blyth desmonstra que cada um desses poemas mínimos que chegam até nós está radicado em milênios de cultura. E mais: “A natureza dos haikais não pode ser corretamente entendida se não perceber que eles implicam uma revolução de nossa vida cotidiana e modos de pensar.”
Não vou me estender muito mais sobre os livros: era só para dividir uma alegria com vocês que sabem como livros podem nos deixar alegres, ainda mais quando esperamos por eles durante décadas e, zás, eles surgem! E Blyth chega aqui num momento muito especial, em que estou trabalhando em coisas novas que têm tudo a ver com esse universo cultural/poético do haikai. Pois bem, se estiver sumido daqui, é porque estarei quietinho no meu canto lendo o Blyth, tocando os barquinhos da vida no mar revirado ou preparando essas coisas que dão sentido à navegação: um livro novo em que trabalho calmamente, alguns cursos e outras atividades de que darei notícia em breve e, claro, os muitos livros novos do Círculo de Poemas!
O Círculo de Poemas começou 2024 com força total: já estão nas livrarias Poesia 1919-2021, de Duda Machado, e o ensaio Mistura adúltera de tudo, de Renan Nuernberger; e os assinantes já começaram a receber em casa Cantos à beira-mar e outros poemas, de Maria Firmina dos Reis, e a antologia Cardumes de borboletas, com poemas de Josephina Álvares de Azevedo, Narcisa Amália, Auta de Souza e Gilka Machado, selecionados por Ana Rüsche e Lubi Prates. E vem muita, muita coisa boa, forte e prazenteira nos próximos meses: livros, plaquetes, eventos, encontros. Poesia e mais poesia!
E já fica o convite: no próximo dia 22, às 19h, na Casinha, teremos um novo encontro do Clube de Leitura do Círculo de Poemas. Lá estarei ao lado da querida Zil Pimentel para tocar esse encontro de vozes e escutas em torno de O mapa da casa, de Jorge Augusto, e Amargos como os frutos, de Paula Tavares, baita poeta de Angola que eu não conhecia e estou adorando. E isso é uma das coisas mais bonitas do nosso clube: conhecer novos poetas, novos poemas dentro daquela atmosfera incrível, em que até mesmo o que já lemos se torna novo, diferente, fortalecido pelas trocas todas da Casinha. Vamos?
Muito obrigado por ler e, se possível, ajudar a divulgar esta newsletter!
incrível! que alegria a chegada desses livros
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